Fraudes, desvios e má gestão não são apenas cifras em planilhas; representam um golpe direto na confiança da população e, crucialmente, instalam um profundo sentimento de incerteza quanto ao futuro.
O INSS é, para muitos, a promessa de um amparo na velhice ou em momentos de incapacidade. Quando essa promessa é manchada por corrupção, a primeira reação é a insegurança. “Será que minha aposentadoria estará lá quando eu precisar?”, “Meus benefícios serão pagos corretamente?”, “Posso confiar no sistema que deveria me proteger?”. Essas perguntas, carregadas de ansiedade, não são meros pensamentos passageiros; elas ativam regiões cerebrais ligadas ao medo e ao estresse.
A neurociência tem demonstrado consistentemente que a incerteza é um gatilho poderoso para o estresse. Nosso cérebro é programado para buscar padrões e prever o que vem a seguir, como uma forma de nos manter seguros. Quando o futuro se torna nebuloso, especialmente em áreas tão fundamentais quanto a subsistência, o sistema de alerta do corpo é ativado de forma crônica. Um estudo publicado no periódico Nature Neuroscience por Grupe e Nitschke (2013) revelou que a incerteza pode ser mais estressante do que a antecipação de um evento negativo conhecido. Saber que algo ruim vai acontecer, por pior que seja, permite algum grau de preparação. Já a incerteza nos deixa em um estado de vigilância constante, gastando uma enorme quantidade de energia mental e física.
No contexto de um escândalo no INSS, a incerteza não é apenas sobre o dinheiro. É sobre a dignidade, a capacidade de planejar a vida, de ter acesso a medicamentos ou tratamentos de saúde, muitas vezes dependentes dessa renda. Para o cidadão que contribuiu durante décadas, a notícia de que seu futuro pode estar comprometido por atos ilícitos gera um sentimento de traição e desamparo. A pesquisa de Carleton (2016) sobre o “medo do desconhecido” (fear of the unknown), publicada na Journal of Anxiety Disorders, destaca a intolerância à incerteza como um fator transdiagnóstico em diversos transtornos de ansiedade. Ou seja, a dificuldade em lidar com o imprevisível é um componente central que pode levar ou agravar quadros de ansiedade generalizada, pânico e depressão.
Quando a instituição que deveria prover segurança se torna fonte de instabilidade, o impacto psicológico é amplificado. As pessoas podem começar a questionar não apenas o INSS, mas a validade de outras instituições e a própria noção de justiça social. Isso pode levar a um fenômeno conhecido como “desamparo aprendido”, onde o indivíduo, após repetidas experiências negativas sobre as quais sente não ter controle, passa a acreditar que nada do que fizer mudará sua situação, resultando em passividade e desesperança. Um trabalho de review de Maier e Seligman (2016), revisitando o conceito de desamparo aprendido décadas após sua formulação inicial, publicado na Clinical Psychological Science, reforça como a percepção de falta de controle sobre eventos aversivos tem consequências neurobiológicas e comportamentais significativas.
Além dos efeitos diretos sobre os beneficiários e futuros segurados, escândalos como o do INSS minam a confiança social. A percepção de que a corrupção é endêmica e que os recursos públicos são desviados impunemente afeta o bem-estar coletivo. As pessoas se sentem mais cínicas, menos propensas a cooperar e mais pessimistas em relação ao futuro do país. Isso cria um ambiente social mais tenso e fragmentado.
Em suma, o recente escândalo no INSS é mais do que uma crise financeira ou administrativa; é um evento com profundas implicações para a saúde mental da população. A incerteza que ele gera sobre o futuro – seja ele financeiro, social ou pessoal – impõe um fardo psicológico considerável. Combater a corrupção e garantir a integridade de instituições como o INSS não é apenas uma questão de justiça e boa governança, mas também uma medida crucial de saúde pública, essencial para restaurar a confiança e permitir que os cidadãos possam planejar seus futuros com um mínimo de segurança e tranquilidade.
Texto: Luam Ferrari