Brasil teria se tornado uma “berçário” de espiões russos e Polícia Federal trabalha para desmantelar rede

A Polícia Federal do Brasil desbaratou uma sofisticada rede de espiões russos que, durante anos, usaram identidades brasileiras falsas para operar em diversos países. A investigação, batizada de Operação Leste, revelou que ao menos nove agentes da inteligência russa, conhecidos como “ilegais”, obtiveram documentos autênticos com nomes fictícios para construir vidas verossímeis no Brasil antes de se deslocarem para missões no exterior. Entre eles estava Artem Shmyrev, que viveu no Rio de Janeiro sob o nome de Gerhard Daniel Campos Wittich. As informações foram reveladas em reportagem do jornal The New York Times publicada nesta quarta-feira (21).

Shmyrev comandava uma empresa de impressão 3D, morava em um apartamento de luxo com a namorada e parecia ter uma vida estável. No entanto, mensagens resgatadas de seu celular mostraram sua frustração por não estar em campo atuando como espião. A rede operava em silêncio até 2022, quando um alerta da CIA revelou a tentativa de um outro espião, Sergey Cherkasov, de se infiltrar no Tribunal Penal Internacional usando documentos brasileiros. Ele foi preso em São Paulo, acusado de uso de documentos falsos.

A partir desse caso, os investigadores brasileiros começaram a identificar o padrão de atuação dos agentes russos, batizados de “fantasmas”: pessoas com certidões de nascimento legítimas, mas sem qualquer histórico de vida no país. Usando bancos de dados públicos, a PF descobriu que essas identidades eram construídas com base em brechas legais e corrupção em cartórios. A descoberta levou à colaboração com agências de inteligência de pelo menos oito países.

A rede incluía um joalheiro, uma modelo, um casal em Portugal e um pesquisador que chegou à Noruega. Muitos escaparam antes da prisão, como Shmyrev, que deixou o Brasil em dezembro de 2022, pouco antes de a polícia obter um mandado contra ele. Já Cherkasov, preso no Brasil, é o único acusado formalmente, embora os investigadores tenham conseguido associar nomes reais às identidades falsas usadas por vários agentes.

Diante da dificuldade de prender os espiões, os investigadores optaram por desmascará-los. Emitiram alertas internacionais pela Interpol, alegando crimes civis como falsidade ideológica para contornar o veto político da organização a casos de espionagem. Os avisos incluíam nomes, fotos e digitais de Cherkasov e Shmyrev. O Uruguai também emitiu alertas contra outros suspeitos com passaportes brasileiros.

A ofensiva brasileira foi vista como uma resposta firme a uma traição estratégica, já que o país tradicionalmente mantém relações amistosas com a Rússia. A ação da PF desmontou parte do programa de “ilegais” do Kremlin e se tornou um exemplo internacional de contrainteligência em tempos de guerra híbrida e disputas geopolíticas crescentes.

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