Por Fernanda Zibordi | Jornal da USP
Para maiores chances de sobrevivência da prole, é comum que certos animais levem em consideração a qualidade do cuidado parental na hora de escolher um bom parceiro. Comportamentos que priorizem a proteção dos ovos são atrativos importantes, mas será esse o único fator de seleção? Pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP buscaram responder à questão em um estudo sobre as condições de escolha de parceiros em opiliões – um tipo de aracnídeo com longas pernas e frequentemente confundido com aranhas. A partir de experimentos de campo com machos em diferentes condições corporais, foi registrada a grande influência de feromônios sexuais na atratividade dos indivíduos, de forma que a capacidade de emitir anúncios sexuais se mostrou um fator de seleção tão importante quanto a condição física.
Laís Grossel, doutoranda em Zoologia no IB e autora do estudo, explica que os opiliões, apesar de aracnídeos, não são parentes tão próximos das aranhas. Diferentemente delas, eles não têm o corpo dividido em duas partes, além de não produzirem seda nem veneno. Porém, uma característica do opilião Iporangaia pustulosa que atraiu a atenção dos pesquisadores é o seu cuidado parental exclusivo, ou seja, a proteção dos filhotes ser uma tarefa somente do macho.
“A principal função do macho é defender a prole contra predadores. Demonstramos que as fêmeas preferem machos que estão bem alimentados e em boa condição corporal, mas não sabíamos como esses machos estavam anunciando seus estados nutricionais”, descreve Glauco Machado, professor do Departamento de Ecologia do IB e um dos autores do estudo.
Ele destaca que, apesar dessa preferência existir, ela não possui relação com o cuidado parental, pois verificou-se que todos os machos – independente das condições – cuidam igualmente bem dos seus filhotes. A pesquisa buscou, então, descobrir de onde viria essa preferência por “opiliões sadios”.
Glândulas especiais e atraentes
Na espécie estudada, os machos possuem dois pares de glândulas exclusivas localizadas nas pernas. Foi o primeiro indício de que essas estruturas poderiam ter algum envolvimento no acasalamento dos opiliões. Assim, a investigação se dirigiu para o Parque Estadual Intervales, no município paulista de Ribeirão Grande, que abriga populações conhecidas da espécie Iporangaia pustulosa. “Uma coisa muito bacana do trabalho foi fazer a manipulação, retornar o bicho às condições naturais e ver qual é a escolha das fêmeas no ambiente natural”, comenta o professor.
Os pesquisadores criaram dois grupos experimentais: em um deles, as glândulas foram tampadas com tinta, que servia tanto para individualizar os animais quanto para “obliterar a glândula e impedir que o macho soltasse a secreção”, diz Glauco. No outro grupo, foram pintadas outras partes do corpo que não continham as glândulas, de forma que os opiliões ainda conseguiriam utilizá-la. Ambos os grupos também foram internamente divididos entre machos bem e mal alimentados.
Considerando métricas como a probabilidade do macho receber ovos e o número de ovos recebidos, Laís e Glauco obtiveram resultados reveladores sobre a importância das glândulas sexuais no processo reprodutivo da espécie. Enquanto o grupo de opiliões mal alimentados e de glândulas obliteradas foi pouquíssimo atrativo para as fêmeas, o grupo bem alimentado e com glândulas em funcionamento teve um fitness (sucesso reprodutivo) extremamente alto. Como esperado, os outros dois grupos restantes obtiveram resultados intermediários.
“Em laboratório, ao colocarmos os animais juntos, mesmo que o macho esteja mal alimentado, ele vai ser percebido pela fêmea. (…) Talvez o que encontramos só faça sentido, na verdade, quando o experimento é feito em condições naturais. Em laboratório, podemos forçar uma condição que o resultado talvez não ocorresse na natureza.” – Glauco Machado
Comunicação química
“A maneira pela qual esses machos provavelmente estão se comunicando com as fêmeas é pelo meio químico”, diz Glauco a respeito do envolvimento das glândulas especiais na comunicação entre os seres da espécie. Ele explica que, por uma boa alimentação, os opiliões devem produzir suas secreções de forma mais eficiente, assim obtendo maior sucesso em atrair parceiras.
Esse processo foi capaz de demonstrar que as fêmeas preferem os machos em melhor condição porque, na realidade, eles têm mais energia sobrando para fazer anúncios sexuais na forma de químicos. “Quanto ao cuidado parental da espécie, ela não é uma atividade muito custosa e qualquer macho é capaz de cuidar da prole. Só que apenas aqueles com bastante energia vão conseguir empregar o restante dessa energia para o anúncio de sua condição corporal”, completa Laís.
O papel das glândulas como um mecanismo de anúncio sexual se baseia em um modelo teórico que está sendo, pela primeira vez, aplicado em invertebrados. O cuidado essencial masculino (essential male care model) fundamenta justamente a ideia de que, se o cuidado é pouco custoso, aquele que está em melhores condições investe no recurso de anunciar que é o melhor parceiro. Estudos seguem realizando experimentos para entender a composição química das secreções liberadas pelos opiliões e como elas auxiliam na atratividade dos machos da espécie.