Coluna | Síndrome de Estocolmo: por que algumas vítimas se sentem presas aos agressores?

Essa reação, que à primeira vista parece paradoxal, é conhecida como Síndrome de Estocolmo. Embora popularizada pela mídia, a síndrome é um fenômeno psicológico complexo que envolve uma série de fatores emocionais e de sobrevivência.
O termo “Síndrome de Estocolmo” surgiu em 1973, após um assalto a banco na cidade de Estocolmo, na Suécia. Durante o sequestro de quatro reféns que durou seis dias, essas pessoas demonstraram uma surpreendente empatia e até mesmo defenderam seus captores após serem libertadas. Esse evento chamou a atenção do mundo e levou o psiquiatra e criminologista Nils Bejerot a cunhar o termo.
Como a Síndrome se Manifesta?
A Síndrome de Estocolmo não é oficialmente reconhecida como um transtorno psiquiátrico no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), mas é amplamente estudada e compreendida como uma resposta psicológica em situações de intenso trauma e ameaça à vida (Cantor, 2017). Ela geralmente se manifesta através de três componentes principais:
* Sentimentos positivos da vítima em relação ao agressor: As vítimas podem começar a sentir gratidão, simpatia e até mesmo afeto por seus captores. Isso pode ocorrer especialmente se os agressores demonstrarem alguma forma de “bondade” ou abstiverem-se de violência extrema.
* Sentimentos negativos da vítima em relação às autoridades: As vítimas podem desenvolver desconfiança, medo ou raiva em relação à polícia ou outras figuras de autoridade que tentam resgatá-las. Elas podem sentir que essas pessoas colocam suas vidas em risco.
* Sentimentos positivos do agressor em relação à vítima: Em alguns casos, os agressores também podem desenvolver sentimentos positivos em relação às suas vítimas, vendo-as como indivíduos e não apenas como objetos.
Por que Isso Acontece? Mecanismos Psicológicos em Jogo
A Síndrome de Estocolmo é vista como um mecanismo de defesa inconsciente que as vítimas desenvolvem para lidar com uma situação de extremo perigo e impotência (Graham et al., 2015). Vários fatores podem contribuir para o seu desenvolvimento:
* Sobrevivência: Em situações de cativeiro, a vítima depende completamente do agressor para sua sobrevivência básica (comida, água, abrigo). Desenvolver uma relação positiva pode ser uma forma de garantir essa sobrevivência, evitando a raiva ou a agressão do captor.
* Identificação com o agressor: Em um ambiente de isolamento e medo, a perspectiva do agressor pode se tornar a única realidade conhecida pela vítima. Identificar-se com o agressor pode ser uma forma de ganhar algum senso de poder ou controle na situação.
* Pequenos atos de bondade: Mesmo pequenos gestos de “gentileza” por parte do agressor, como oferecer comida ou permitir algum conforto, podem ser interpretados pela vítima como sinais de humanidade e gerar sentimentos de gratidão. Em um contexto de terror constante, esses atos podem parecer significativos.
* Medo da retaliação: As vítimas podem temer que, ao expressarem raiva ou resistência, a situação piore e sofram mais violência. Desenvolver uma relação positiva pode ser uma forma de evitar essa retaliação.
Além do Sequestro: Outras Situações
Embora mais comumente associada a sequestros e cativeiros, a Síndrome de Estocolmo também pode ser observada em outras situações de abuso e controle, como em relacionamentos abusivos, violência doméstica, cultos destrutivos e até mesmo em contextos de exploração (Namnyak et al., 2014). Nesses casos, a dinâmica de poder desigual e o medo da retaliação podem levar a vítima a desenvolver laços emocionais com o agressor como uma forma de sobrevivência psicológica.
Importância da Compreensão
Compreender a Síndrome de Estocolmo é crucial para profissionais de saúde mental, policiais e para a sociedade em geral. É importante lembrar que essa reação não é uma escolha consciente da vítima, mas sim uma resposta complexa a um trauma extremo. Julgar ou culpar a vítima por seus sentimentos pode ser prejudicial e impedir sua recuperação.
Ao invés disso, o foco deve estar no apoio psicológico à vítima após a libertação, ajudando-a a processar o trauma e a reconstruir sua vida. A compreensão da dinâmica da Síndrome de Estocolmo também pode auxiliar na elaboração de estratégias de negociação em situações de sequestro e no tratamento de vítimas de abuso em diversos contextos.
Em suma, a Síndrome de Estocolmo é um fenômeno psicológico intrigante que demonstra a capacidade humana de adaptação em face do terror. Embora rara, sua ocorrência nos lembra da complexidade da mente humana e da importância de abordar o trauma com empatia e conhecimento.

 

Texto: Luam Ferrari

Adicionar aos favoritos o Link permanente.