Nas últimas décadas, observou-se um aumento significativo na incidência de afastamentos do trabalho relacionados a transtornos mentais e comportamentais, um fenômeno que exige atenção e ação coordenadas.
Dados de diversas fontes, incluindo órgãos governamentais e estudos acadêmicos, apontam consistentemente para o crescimento dos problemas de saúde mental como causa de incapacidade laboral. No Brasil, por exemplo, transtornos como depressão e ansiedade frequentemente figuram entre as principais causas de concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Um estudo analisando dados da Previdência Social brasileira já apontava, há alguns anos, que os transtornos mentais e comportamentais representavam a terceira maior causa de afastamentos, com um impacto econômico considerável (Santana et al., 2016).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também tem alertado globalmente que a depressão e a ansiedade custam à economia mundial trilhões de dólares a cada ano em perda de produtividade. Pesquisas internacionais corroboram essa visão, indicando que transtornos mentais comuns são uma das principais causas de absenteísmo (faltas) e presenteísmo (estar no trabalho, mas com produtividade reduzida devido a problemas de saúde) em países de alta renda (Harvey et al., 2017). A situação não é diferente em países de média e baixa renda, onde os recursos para prevenção e tratamento são frequentemente mais escassos.
Embora a saúde mental seja multifatorial, envolvendo aspectos genéticos, sociais e individuais, o ambiente de trabalho desempenha um papel crucial. Fatores de risco psicossociais no trabalho estão fortemente associados ao desenvolvimento ou agravamento de transtornos mentais. Dentre eles, destacam-se:
Carga de trabalho excessiva e pressão por prazos: Demandas irrealistas e a sensação constante de urgência podem levar ao esgotamento (burnout) e à ansiedade.
Baixo controle sobre o trabalho: A falta de autonomia para tomar decisões sobre as próprias tarefas e métodos de trabalho é um fator de estresse significativo (Luchman & González-Morales, 2013).
Falta de apoio de colegas e superiores: Um ambiente de trabalho com relacionamentos interpessoais ruins, falta de reconhecimento e comunicação deficiente contribui para o isolamento e o desânimo.
Insegurança no emprego: O medo da demissão e a instabilidade contratual geram ansiedade e podem afetar a saúde mental a longo prazo.
Assédio moral e bullying: Experiências de humilhação, constrangimento ou perseguição no trabalho têm um impacto devastador na saúde mental das vítimas (Einarsen et al., 2020).
A interação desses fatores cria um cenário propício para o adoecimento psíquico, que muitas vezes culmina na necessidade de afastamento para tratamento e recuperação.
Os afastamentos por saúde mental geram consequências em múltiplas esferas. Para o trabalhador, representam sofrimento, estigma, dificuldades financeiras e um processo de recuperação que pode ser longo. Para as empresas, significam perda de produtividade, custos com substituição de pessoal, despesas com planos de saúde e um clima organizacional potencialmente negativo. Para a sociedade, há o ônus sobre os sistemas de saúde e previdência social.
Diante desse quadro, a prevenção e a promoção da saúde mental no trabalho tornam-se estratégias essenciais. Isso envolve desde a criação de uma cultura organizacional que valorize o bem-estar, a comunicação aberta e o respeito, até a implementação de programas específicos. Ações como a gestão adequada da carga de trabalho, o incentivo à autonomia, o treinamento de lideranças para identificar e lidar com sinais de sofrimento psíquico em suas equipes, e a oferta de programas de apoio psicológico (como os Programas de Assistência ao Empregado – PAE) são fundamentais (Joyce et al., 2016).
Reduzir o estigma associado aos transtornos mentais também é crucial. Ambientes onde os funcionários se sentem seguros para falar sobre suas dificuldades e buscar ajuda tendem a ter melhores resultados tanto em saúde quanto em produtividade.
A incidência crescente de afastamentos do trabalho por questões de saúde mental é um sinal claro de que os modelos atuais de trabalho precisam ser repensados. Ignorar essa realidade não apenas perpetua o sofrimento individual, mas também gera custos elevados para toda a sociedade. Investir em ambientes de trabalho psicologicamente seguros e saudáveis, com base em evidências científicas e em uma abordagem humanizada, não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas uma estratégia inteligente para garantir a sustentabilidade e o sucesso das organizações a longo prazo. A saúde mental importa, e o local de trabalho deve ser parte da solução, não do problema.
Texto: Luam Ferrari